Pares Ímpares

dois olhos, um só olhar

“O corpo é um campo de batalha”

Barbara Kruger

Nos pequenos espaços guardamos os grandes tesouros. Lembro desse dito popular para celebrar a inauguração da Galeria MaPa FOTO, dedicada à fotografia vintage, aquela produzida em preto e branco nos anos dourados da fotografia analógica.

A mostra PARES ÍMPARES – dois olhos um só olhar, exibe duas imagens de um mesmo artista. São duplas, ou pares, únicos e singulares, que não se conectam, daí a ideia de ímpares. O título da exposição remete a uma questão intrínseca à fotografia, ou seja, um interesse cultural expandido na construção de insinuações e interrogações visuais.

No pequeno espaço de 40 metros quadrados 20 imagens que sintetizam um passeio pela fotografia produzida no período 1930 e 1980. Cinco décadas intensas e ricas no fazer fotográfico, com uma incomum diversidade em relação aos processos de criação. E as fotografias, de alguma maneira, reconhecem o quanto é bela a observação e o estudo do corpo. Diferentes processos de investigação de base fotográfica sobre a anatomia humana.

Mario Baldi encontra o belo nos indígenas ancestrais das etnias Bororo e Carajá, que habitam o país. Alair Gomes e Alicia Rossi trazem o corpo exibido nas ruas e nas praias com a naturalidade e a forte atração provocada por esse lugar do acaso – pura invasão da intimidade no espaço público que atiça os desejos e consagra a beleza anônima. Pura sedução de um corpo que longe de transgredir as normas estéticas, inventa novas possibilidades formais.

Por outro lado, temos as fotomontagens de Francisco Aszman, húngaro de nascimento, que no Brasil veio a se tornar um ativo participante da prática fotoclubista. Sua fotografia busca colocar o corpo em suas formas clássicas em meio a uma teatralidade de influência surrealista, típica daquela praticada nos salões dos fotoclubes. Aliás, bem diferente da fotografia de Orlando Pilo Duarte, do Foto Cine Clube Bandeirante que dramatiza o corpo inserido nas manifestações coletivas – a parada militar e a celebração festiva urbana – flagradas com intensidade dramática e tenso contraste entre o preto e branco.

Helmut Newton, um dos maiores nomes da fotografia praticada nas décadas de 1980 e 1990, produz imagens menos espontâneas. Elaboradas a partir de um script e de uma encenação pré-visualizada. Mesmo assim, há uma ousadia fantasiosa que se aproxima do non sense em suas fotografias. Suas lindas mulheres no salto alto, estão inseridas em cenários ordinários que adentram o território do desejo e explicitam uma invenção artificiosa e extraordinária.

No conjunto, a exposição nos convida ao exercício imaginário do corpo, sem as amarras da convencão. Tanto no retrato de base antropológica do indígena Bororo (ou seria Carajá?), quanto nos flagrantes espontâneos do corpo livre no espaço urbano, como também na livre articulação do corpo encenado, podemos auferir a potência instigante do registro fotográfico — ora estático, ora instável e imprevisível.

As cópias vintage (de época) em preto e branco, gelatina e prata, valorizam ainda mais essas pérolas em exibição. Como as fotografias, as pérolas são valorizadas segundo características próprias: qualidade, tamanho, forma, superfície, cor. Cada uma dessas cópias aqui apresentadas, tem em seu formato uma singularidade própria, impressas em papéis diferentes, que permitem texturas diversas em sua superfície, acentuando algumas características da imagem.

Essas relações de semelhança entre fotografias de época, cópias analógicas, e pérolas, ambas muito raras, é para enfatizar a dificuldade de garimpá-las. E aqui estão elas em exibição na Galeria MaPa FOTO. Você nem precisa mergulhar profundamente para encontrá-las. Elas já estão prontas para serem exibidas em qualquer salão nobre.

Rubens Fernandes Junior

Pesquisador e Curador de Fotografia